A noite de ontem foi recheada de viagens. Se por um lado viajei outra vez até aos meus dezasseis anos, em que era uma menina descomprometida com a vida, despreocupada com o futuro, e saltava de actividade em actividade como se de nenúfares se tratassem, também viajei até Londres dentro de uma sala de teatro vermelha, no centro de Lisboa.

Passavam-se quase dez anos desde a última vez que tinha visto o meu amigo Olavo, o homem das 1001 caras, das encenações negras, apaixonado pela vida, pelo teatro e por mulheres escorpião que na perspectiva dele “picam mesmo que acabem por morrer também”. O reencontro veio mesmo a calhar porque depois de anos a contornar o amor pelo teatro, com medo de arriscar e falhar, havia decidido que 2012 era o ano da derradeira tentativa de enveredar neste mundo.

Então o meu querido amigo Olavo levou-me pelo braço até ao Teatro Aberto. Ainda tivemos oportunidade de beber um café e trocar um dedo de conversa com a afável Irene Cruz, actriz e parte da família que gere o teatro das salas coloridas. Ficámos a saber que conquistou um gato siamês no início da sua vida de casada, que ama mais os seus cães do que algumas pessoas, que é actriz há 57 anos e começou em menina na única companhia teatral que existia na sua altura, e que na sua vida estão sempre a acontecer sincronidades difíceis de explicar racionalmente (ao que eu respondi: é preciso estar-se disponível para isso e só acontecem às pessoas especiais).  

Depois da rápida e agradável conversa de café com a Irene, dirigimo-nos para a sala vermelha.

Entrámos e o ambiente era intimista: a Carla Maciel esperava por nós no palco, observando cada um dos espectadores que chegava, com um olhar fisgado e intenso. Recordo-me de me sentir em casa dela, como uma visita que ela esperava com paciência e carinho. O palco estava composto com móveis, um portátil e uma mesa de mistura em cima da secretária, câmaras de filmar e três telas de projecção de vídeo.Quando a sala ficou composta, a Carla começou a contar a história peculiar da sua última viagem a Londres com os seus pais. Imagens da asa de um avião foram projectadas em duas das telas, e a palavra doença que a protagonista havia teclado no seu computador estava estampada a branco e preto, na tela do meio.

Um espectáculo em que a protagonista conta pedaços da sua história de vida, auxiliada pelo audiovisual. Conta-nos de onde veio, para onde foi, para onde gostaria de ir, ou para onde não quer mesmo ir. Durante a actuação  a personagem é acompanhada da sua banda sonora personalizada e de imagens em movimento que potenciam o seu discurso. As câmaras ajudam o público a ter várias perspectivas da sua história, a ver vários lados da mesma cena: da esquerda, para a direita, de costas, de frente…As imagens de Carla Maciel gravadas e transmitidas em tempo real no palco, encorparam as histórias contadas em forma de monólogo. E assim o monólogo passa a diálogo cruzado entre a actriz  a música e as filmagens, e tudo conspira para um espectáculo completo, coeso e cheio de sentido.

Não perca esta viagem interior até Londres e outros recantos dentro do coração desta personagem, e quem sabe descobrir compartimentos novos no vosso.

Horário: até dia 28 de Outubro, de quarta a sábado às 21:30 e domingo às 16:00.

Preço: 15€