CINEMA: Holy Motors - O filme e a entrevista ao realizador Leos Carax

Leos Carax, Nasceu emFrança, em 1960, é um dos mais conceituados directores europeus das últimas décadas. Na juventude, escreveu críticas para os Cahiers du Cinéma e realizou seu primeiro curta-metragem, Strangulation blues, em 1980.

Chega-nos agora em 2012  Holy motors, o mais recente filme do realizador.

Com onze personagens distintos interpretados por Denis Lavant (melhor ator no Festival de Chicago), Holy motors foi um dos destaques na última edição do Festival de Cannes, onde recebeu o Prêmio da juventude. Desde então, tem sido exibido com grande sucesso e foi escolhido pelos Cahiers du Cinéma o melhor filme de 2012. 

De madrugada até à noite, algumas horas na existência do Senhor Oscar, um ser que viaja de vida em vida. É alternadamente um abastado industrial, um assassino, um pedinte, uma criatura monstruosa, um pai de família... O senhor Oscar parece desempenhar papéis, interiorizando cada um de forma completa, mas onde estão as câmaras? Está sozinho, acompanhado apenas por Céline, uma senhora loira e alta aos comandos da imensa máquina que o transporta. É como um assassino consciencioso movendo-se de assassinato em assassinato. Persegue a beleza do gesto, do motor da acção, das mulheres e dos fantasmas da sua vida. Mas onde é a sua casa, onde está a sua família, o seu descanso?

LEOS CARAX - ENTREVISTA

O jornalista francês e crítico de cinema Jean-Michael Frodon, entrevistou o realizador LEOS CARAX, fica aqui alguns excertos:

Aparece no início do filme numa espécie de prólogo. Como surgiu esta ideia?
Em primeiro lugar, tive a imagem de um cinema enorme e repleto, escurecido
para a projecção de um filme. Mas os elementos do público estão
completamente parados e de olhos aparentemente fechados. Estão a
dormir? Mortos?
O público de um cinema visto de frente – algo que ninguém vê (excepto o
derradeiro plano de “A Multidão”, de King Vidor.
Depois a minha amiga Katia falou-me de um dos contos de Hoffman. O herói
descobre que o seu quarto está ligado, através de uma porta secreta, para
uma Ópera. Tal como nesta citação de Kafka, que pode servir de preâmbulo
para qualquer acto criativo: “No meu apartamento há uma porta na qual
nunca tinha reparado até agora.”
E assim decidi iniciar o filme com este sonâmbulo que acorda a meio da noite
e que vai parar a um cinema enorme cheio de fantasmas. Instintivamente
chamei ao homem – o sonhador do filme – Leos Carax. E interpretei o papel.

Que papel desempenhou “Merde”, a sua contribuição para o filme “Tóquio!”,
para concepção de HOLY MOTORS, onde a personagem Merde é um dos
avatares de Denis Lavant?


HOLY MOTORS nasceu da minha incapacidade de prosseguir com vários
projectos, todos eles noutra língua e noutro país. Todos esbarraram contra dois
obstáculos: casting e dinheiro. Aborrecido por não conseguir filmar, utilizei
“Merde” como inspiração. Encomendei a mim próprio um projecto nas
mesmas condições, mas em França – fazer um filme barato, rapidamente,
para um actor previamente escolhido.
Tudo se tornou possível com as câmaras digitais, que eu desprezo (estão a
impor-se sozinhas ou a serem-nos impostas), mas que parecem tranquilizar
toda a gente.


O conceito dos motores e da importância das máquinas está claramente
expresso no título e é um dos temas recorrentes do filme. Foi esta a ideia
original por detrás do projecto ou foi tomando forma gradualmente?


Nunca há uma ideia inicial ou intenção por trás do filme, mas um conjunto de
imagens e sentimentos que eu trato de unir.
Para HOLY MOTORS, uma das imagens que tinha em mente era a destas
limousines que surgiram nos últimos anos. Vi-as pela primeira vez na América e
agora todos os domingos no meu bairro, em Paris, para os casamentos
chineses. Estão em total sintonia com os nossos tempos – ao mesmo tempo
vistosas e saloias. De fora tudo parece bem mas no seu interior existe o mesmo
sentimento triste que se sente num bordel. Ainda assim, comovem-me. Estão
ultrapassadas, como os velhos brinquedos futuristas do passado. Marcam o fim
de uma era, a era das máquinas grandes e visíveis.
Desde cedo, estes carros tornaram-se o coração deste filme – o seu motor.
Imaginei-os como longas naves transportando os humanos nas suas
derradeiras viagens, nas suas últimas tarefas.
O filme é então uma espécie de ficção científica, nas quais os humanos,
monstros e máquinas estão à beira da extinção – “motores sagrados” unidos
por um destino comum e pela solidariedade, escravos de um mundo cada vez
mais virtual. Um mundo do qual as máquinas visíveis, as experiências reais e as
acções estão gradualmente a desaparecer.
Na cena em que o Denis Lavant está coberto por sensores brancos, ele é
como um trabalhador especializado em motion capture. Não muito distante
de Chaplin em “Tempos Modernos” – exceptuando o facto de que o homem
já não está preso nas engrenagens da máquina mas nas malhas de uma rede
invisível.


Quem é o Monsieur Merde? É um fantasma que surge do passado? Um colega
de trabalho?


Monsieur Merde é o medo e a fobia. Também a infância. Ele é a grande
regressão do pós-11 de Setembro (terroristas que acreditam em histórias de
virgens no paraíso, líderes políticos satisfeitos porque finalmente conseguem
dar uso aos seus máximos poderes, como crianças omnipotentes. E pessoas
confusas, como órfãos perdidos no escuro). Monsieur Merde é o estrangeiro
extremo: o racista imigrante.


O Senhor Oscar poderia ser interpretado por mais alguém para além de Denis
Lavant?


Se o Denis tivesse recusado, teria oferecido o papel a Lon Chaney ou a
Chaplin. Ou a Peter Lorre ou Michel Simon.

Em que garagem são colocados os humanos quando chega o final do dia?
Eles têm algo comparável ao local que vemos no final do filme?


Onde os humanos estacionam à noite – aquilo que chamamos “lar”. Mas onde
fica a verdadeira casa das pessoas? Ou é melhor viver em constante
movimento, como um explorador viajando por terra e mar? Mas talvez os
nossos verdadeiros lares já sejam computadores?

Trailer:



Ficha Técnica:
Denis Lavant - Sr. Oscar
Edith Scob - Céline
Eva Mendes - Kay M
Kylie Minogue - Eva Grace
Cordelia Piccoli - L'homme à la tache de vin
Elise Lhommeau - Léa

Argumento e Realização - Leos Carax
Director de Fotografia - Caroline Champetier
Música - Neil Hannon
Montagem - Nelly Quettier
Som - Erwan Kerzanet

Título Original / Internacional: Holy Motors
Ano de Produção: 2012
País: França
Género: Longa-metragem
Duração : 115´
Data de estreia em Portugal : 20-12-2012

Exibições: 699

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Comentário de Brolas em 31 Dezembro 2012 às 1:24
Não é um filme fácil de entender. É preciso encarnar, literalmente, em cada personagem para perceber o sentido.No cinema, tudo é uma representação, tudo se permite e depois de uma boa digestão do filme percebe se que é um grande filme
Comentário de Anabela em 26 Dezembro 2012 às 22:30
Nao gostei muito do filme, demasiado intelectualoide. Eva Mendes aparece 5 minutos e a Kylie Minogue vi a apenas no final
Comentário de Administrador Transglobal em 26 Dezembro 2012 às 18:10

Obrigado pela partilha Cinema Paraíso

Comentário de Marketing de Conteudos em 26 Dezembro 2012 às 0:08
O espectador pode sentir se cansado, devido aos inúmeros papéis que o personagem faz, mas ao mesmo tempo pode também ficar cansado pelo próprio personagem. Mas no final do filme sai convencido de que viu um grande filme.
Vale a pena

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