PASSEIOS (cá dentro): A nossa História concentrada num tronco

"A nossa História concentrada num tronco. Ou a enormidade da Vida perante os nossos olhos." É um daqueles títulos capazes de incendiar espíritos e desencadear as mais acaloradas discussões entre uns quaisquer lugarejos deste nosso Portugal. Bairristas discussões que para todos aqueles que não pertencem a qualquer um dos lados da quezília, parecem quase que patéticos. Como que ridiculamente pequenos. Assim entendidos até ao exacto momento em que somos confrontados com eles. Com os motivos das discórdias.

Assim é o fenómeno que lhe trago.

 

O nome do lugarejo é Santa Luzia, Tavira. Uma pequena, pequeníssima aldeia piscatória de braço dado à Ria Formosa.

Para lá da invernosa pacatez da vila e de um relativo rebuliço causado pelos veraneantes, pouco ou nada se passa em Santa Luzia. Não consta, certamente, entre os principais pontos turísticos algarvios. E não tem merecido mais do que uma mínima nota de rodapé num qualquer folheto turístico sobre o Sotavento algarvio. Mas nada disto importa. O que realmente interessa é que Santa Luzia é o local de “residência” de um verdadeiro fenómeno.

 

Um fenómeno que, quando confrontados com ele, nos revela a nossa quase ridícula existência. Algo de tão maravilhoso e fantástico que se torna impossível de não merecer a nossa vénia, tal é a sua grandeza. O seu colosso. A sua imponência perante aquela que é, perto dele, a nossa fugaz existência.

 

Imagine confrontar-se, ter diante de si, mesmo em frente dos olhos, algo vivo que pode mesmo ter-se cruzado com Viriato. Com a presença Visigoda na Península. Algo que assistiu à expansão e quedo do milenar Império Romano. Um testemunho vivo da passagem dos sarracenos por terras algarvias. Um testemunho vivo da presença dos Califados Ibéricos. Algo que, de Santa Luzia para o Mundo, viveu a época de Cristo. Sim … percebeu bem e eu não me enganei a escrever. Assistiu, viveu a época de Cristo. Algo que não só sobreviveu a tudo isto e, muito certamente, irá sobreviver a todos nós.

 

Aquilo do que falo não é mais do que uma oliveira. Uma milenar oliveira que é só o mais antigo ser vivo do nosso País. Talvez o mais velho de toda a Península Ibérica. Dizem os entendidos que tem mais de dois mil anos. Dois mil anos. Mais do que a nossa contagem gregoriana do tempo. Segundo aquilo que conhecemos, a sua presença na Península Ibérica – ou melhor, a presença da sua espécie na Península Ibérica – remonta ao século VII a.C. Os primeiros exemplares terão sido trazidos da Mesopotâmia pelos Fenícios.

 

Esta maravilhosa oliveira está plantada no Aldeamento Turístico das Pedras del Rei. Tem quase oito metros de altura e são precisos cinco homens para a conseguir abraçar.

Oficialmente, desde Agosto de 1984, que está considerada como Exemplar de Interesse Público. Decreto da Direcção-Geral de Florestas e publicado em Diário da República ( série II – n~178, de 2 de Agosto de 1984 ).

 

 

Confesso, e isto poderá mesmo surgir aos olhos do leitor como algo oriundo de uma mente ou espírito instável mas, no passado fim de semana, momento em que tomei conhecimento deste fenómeno e tive a oportunidade de o ver in loco, não fui senão capaz de me ajoelhar perante a enormidade de Vida que tinha perante os olhos e esboçar um ténue abraço a esta oliveira.

Durante horas fiquei à conversa com ela. Ouvindo, imaginando todas as outras Vidas que por ela passaram. Imaginando, ouvindo acerca das histórias que ela pode testemunhar. Ouvindo, imaginando o seu passado que é no fundo toda a nossa história concentrada num único tronco de oliveira.

Antes de me despedir não pude senão trazer, carregar na alma, o doloroso peso da minha demasiadamente pequena existência.

 

Mas depois de tudo, depois de tudo o que assaltou a alma durante um par de horas, não posso senão agradecer a esta milenar oliveira, e por muito presunçoso que possa parecer esta afirmação, despedi-me com um “muito obrigado” por ter esperado por mim. Por ter esperado pelo dia em que a pude conhecer pessoalmente.

 

 

 

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Comentário de Filipe Amorim em 7 Abril 2011 às 14:53
Actualmente existem propostas de turismo que dão especial atenção às diversas espécies de árvores, existentes em Portugal, sendo estas e em conjunto com o quadro paisagístico composto pela Natureza, o ponto central da visita de diversos turistas a localidades remotas do interior.

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