PASSEIOS (cá dentro): Alandroal na Primavera

A Motivação:

340 e tal noites violentamente interrompidas por choros famintorabugentos, 2725 fraldas perigosamente transbordantes de substâncias várias, 412 porções de sopa desesperadamente arremessadas ao progenitor mais próximo, 5023 momentos de dúvida “Quem somos? Onde estamos? Para onde fomos?”, 0 pausas, actividades de lazer com saldo negativo...

...e, claro, 1 apartamento com aspecto de ter sido devastado por Gremlins.

Violentamente, perigosamente, desesperadamente. Um só bebé! O cansaço era tanto que nem parecia mal descrevê-lo recorrendo a advérbios sensacionalistas em série... ou a criaturas de filmes dos anos 80. E pelo meio, a miragem: aquele voucherzinho bonito a olhar para nós em cima do aparador, a tentar-nos desde o Natal: “Vamos à escapadela, meninos! Já é quase Primavera... Impinjam a criança à avó-mortinha-por-a-ter-impingida e vamos!”

 

O Destino:

E um dia fomos. Oh se fomos! Estava a mais deliciosa das manhãs, vento q.b. e sol a gosto. Abril já lá ía, mas para nós, sabe-se lá porquê, cheirava a liberdade! E liberdade pede planícies sem fim. Liberdade pede Alentejo. O destino, por acaso, é que não era Grândola... era mais acima e mais para o lado: o concelho do Alandroal.

A primeira paragem foi na estação de serviço de Montemor-o-Novo. Bem sei... que faux pas terrível numa viagem destas, que se quer pitoresca e genuína, mas... caramba, que bem que soube beber café nas calmas, com vista para a máquina de pescar peluches, sem ter de perseguir bebés cambaleantes a cada dois minutos! A descontração era tanta que até decidimos seguir pelo caminho mais comprido e, esperávamos, mais bonito. Com os “The National” a tocar, saímos em Estremoz e procurámos a estrada da Serra de Ossa, para fazermos aquilo a que chamámos “A Rota de D. Sebastião” - na verdade, o nosso nebuloso reizinho fez este mesmo percurso a caminho de Alcácer Quibir, e a nós pareceu-nos que “Fake Empire” era mesmo a banda sonora ideal para lhe seguir as passadas.

A serra de Ossa.

Apesar de ser quase Primavera, uma serra no Alentejo, mesmo no Alto, nunca tem a mística (e a altura) de uma serra da Beira Alta. Subimos por um lado, descemos pelo outro e não houve mais história. O calor aumentava e cheirava muito bem a... coisas do campo. Ficava-me bem aqui distinguir no bouquet o toque a poejo ou a rosmaninho, mas o meu nariz não dá para mais. Ainda assim, o ventinho no miradouro sobre a planície do Redondo soube-nos bem. Apeteceu-nos dar lá um salto.

Redondo, mas não muito.

O Redondo faz-me pensar de imediato em duas coisas: a “Aparição” e o tinto alentejano! Como ainda era cedo para nos metermos nos copos e não queríamos ter nada a ver com o fatalismo da “estrada do Redondo”, da obra de Vírgilio Ferreira, fomos antes dar uma volta a pé pela zona histórica. Metemos pela Porta do Postigo e seguimos pela rua do Castelo, a admirar a torre do relógio, as fachadas brancas, as oficinas de olaria artesanal e o que resta das duas torres do castelo de D. Dinis. Foi ao sair pela porta nascente, enquanto capturava as ditas torres no quadradinho da máquina fotográfica, que tive um estranho deja vu, para fazer uso de mais um termo francês (Com este são três: temos oficialmente um artigo pretensioso!! É da falta de sono...).

Não é que aquele enquadramento arco-torres-colina me era familiar? Tão familiar como pão alentejano cabeçudo e azeitonas pretas à mesa da minha avó.

Porta da Ravessa!

O nome veio-me à memória de repente, ainda antes de ler a placa informativa. As torres e o arco da porta nascente da muralha estavam desenhadas no rótulo do vinho que a minha avó compra lá para casa. (Convenhamos que com este pormenor lá se vai o meu falso chic todo...)

 

O Endovélico lá tão longe

A descoberta foi excitante, mas não tanto que nos demorasse mais na sossegada terra. Partimos em direcção ao Alandroal, terra já minha conhecida dos tempos da febre d’ “A Voz dos Deuses”. O que eu torturei nessa altura a pobre funcionária do Turismo para que me dissesse como é que se ía para o local apontado como o do ancestral santuário do Endovélico. Nunca lá cheguei e também não havia de ser desta vez que seguia os passos do escritor João de Aguiar que, mal sabia eu, vivia nesta altura os últimos dias da sua vida.

Não fui lá, mas descobri o caminho e partilho, não esteja a ser lida por entusiastas das divindades lusitanas, que os há por aí, bem sei... Ora, ao km x, que é como diz, estejam atentos ao vosso lado direito, aparece a seguinte placa:

A nós, a mera sugestão de um 4x4 assustou-nos e a última coisa que nos estava a apetecer naquela altura era uma caminhada de 6 km, mas que isso não vos impeça! Partam à descoberta do que quer que ainda esteja no local do antigo santuário do Endovélico e, se derem por lá com o Tôngio, mandem-lhe um abraço meu.

Alandroal ou, eu é mais migas...

Do Alandroal tenho a dizer que tem um belo castelo – e eu percebo de castelos porque já dei cabo de muito trícipede a subir aquele exemplo perfeito do desconhecimento da ergonomia a que, na Idade Média, se chamava degraus. Este castelo é um daqueles que torna possível imaginar, pelo seu estado de conservação, como seria a vida noutros tempos. A entrada no pátio pela porta principal é dramática e as ameias são facilmente percorríveis se não tivermos vertigens nem tendências suicidas. A vista é soberba. Intra-muros encontramos a Igreja de Nossa Senhora da Graça, cuja torre do relógio dá, de facto, ao conjunto uma certa graça, passe a redundante piadola...

As Adegas

A mim a Idade Média sempre me fez uma fome danada mas o homem de serviço não se mostrou disposto a sair em perseguição de javalis, por isso, ficámo-nos pelo porco preto. Na Adega dos Ramalhos, o primeiro comedouro que nos saltou ao caminho, o entrecosto com migas estava uma delícia, mas os pimentos com alho e azeite da entrada, já me tinham conquistado. E sei que sou suspeita, mas não há nada melhor que pão alentejano molhado em azeite.

Já a entrar em modo “sesta”, que os ventos de Espanha, mesmo ali ao lado, assim nos obrigaram, fomos procurar a “nossa” quinta... Mas essa, é aventura para outro artigo!

(Quando escrever esse artigo actualizo este com o respectivo link)

Ir ao Alentejo e não comer borrego é coisa que não me passa pela cabeça. Este que aparece na foto aí em baixo é a especialidade da Adega do Cachete, o restaurante de São Pedro do Corval onde jantámos nessa noite.

Recheado com legumes e acompanhado por batatinhas estaladiças, foi responsável pelo desabotoar do botão de cima das nossas calças. O doce da casa, uma delícia com amêndoa que não me lembra agora o nome, desapareceu tão depressa que nem tive tempo de o fotografar, mas garanto que era uma maravilha. E o vinho da casa? Se há zona onde vale a pena pedi-lo, é esta. E de caminho, perguntem o que quer dizer Cachete que hão de ouvir uma história curiosa.

 

O Guadiana ali ao lado

Para terminar em beleza, procurámos o Guadiana no dia seguinte. Inchado das chuvas Primaveris, vazou para os campos, isolou alguns sobreiros em pequenas ilhas e afogou outros tantos. Bonito, portanto. A caminho da Jurumenha, onde visitámos o castelo altaneiro, foi isto que encontrámos:

No fim do passeio, uns bracinhos rechonchudos à volta dos nossos pescoços arrancaram-nos a promessa. ‘Bora lá outra vez... mas com o Gremlin!

 

 

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Comentário de Marina Soares em 3 Março 2011 às 11:39
Obrigado, Milene! Aceito o elogio pelo artigo, já as fotos são mais para documentar que para encantar... a beleza delas é apenas a do Alentejo. Foram todas feita em automático e por isso ficaram muito baças (nem o photoshop as salvou), mas não me apetecia perder tempo com detalhes nestes dias, eheh!
Comentário de Milene Cabral em 3 Março 2011 às 8:31
Bonito artigo Marina, que fotos lindas :)

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