O avião aterrou adiantado uns minutos. Onze horas e um quarto em Roma e já nós, lusitanas de corpo e Alma, pisamos solo Erasmus, solo que virará casa durante os próximos 6 meses. As malas pesam só de olhar para elas. Três. Três grandes malas para cada uma das duas pessoas pequenas. A passadeira rolante não demora a carregá-las até nós e nós não demoramos a segurá-las. (Perder malas era o nosso maior pesadelo, veja-se bem!)
Segue-se uma ida à casa-de-banho, como não podia deixar de ser, e uma procura não muito complicada pelo shuttle que nos levaria à cidade eterna. Muitos passos e oito euros depois, sentámo-nos confortavelmente nos bancos de um autocarro rumo à Stazione Termini. Para lá dos vidros, a paisagem parece estranhamente familiar. Muitas árvores, pequenas casas aqui e ali e estrada, quilómetros e quilómetros de estrada. O sol brilha e faz um calor abrasador lá fora. É nesta altura que começamos a questionar-nos se preenchemos as malas com a indumentária certa. Casacos e mais casacos. Calções? Um par deles...
Meia hora e uns minutos mais tarde, avista-se o centro: Roma, a cidade eterna, dos edifícios possantes e arquitectura majestosa. Ainda não é “nossa” e já se nos entranha, não se estranha.
Descidos os degraus do autocarro, é inevitável uma inspiração profunda. “Estamos em Roma”, sussurramos a nós próprias, “e vamos viver cá”. A sensação que nos invade é de entusiasmo mas, outra vez de malas nas mãos, o cansaço grita mais alto. Ao longe vê-se um homem, jovem ainda, de cabelos loiros e olhos claros. Não parece italiano mas fala a língua fluentemente. Perguntamos-lhe pela Piazzale Valerio Massimo. Não sabe responder mas, de tão prestável, pede ajuda a um outro homem mais velho que nos indica num mapa a localização exacta. Dizem-nos que a melhor forma de lá chegar é apanhando o metro e saíndo na paragem Bologna. Nós agradecemos com um “grazie mille” de pronúncia manhosa e decidimos qual o passo seguinte: comer e beber (não foi difícil).
No final de uma longa combinação de listas brancas e negras no alcatrão, encontra-se um Snack-Bar que serve paninis. Pelo meio de algumas indecisões, acabamos por optar por um “chicken and cheese”, um simples de “mozzarella” e água fresca de preço módico de quatro euros e meio a garrafa..
A simpatia da senhora que atende e dos seus dois ajudantes surpreende quem espera dos italianos da capital pessoas frias e desligadas. São prestáveis e bem falantes com quem passa, com quem compra.
Acabado o almoço, o cansaço assola-nos. Apanha-nos como um autocarro dos que passam e soltam suspiros poluidores. Táxi parece-nos uma opção agora mais viável, por isso combinamos um preço (vinte euros) e rumamos à Piazzale Valerio Massimo. No caminho, ligamos ao proprietário da casa que vai ser nossa nos próximos meses. Chama-se Marco. Acontece que do outro lado da linha, alguém se recusa a fazer-se entender. É engano, é tudo o que percebemos. As nuvens começam a pairar sobre nós: não sabemos a localização exacta da casa e o número que temos é inútil. O senhorio é um fantasma. Será?
Cabeça bem assente nos ombros: vamos pensar. Faz-se luz e marcamos o número de uma amiga em Portugal que conhece a zona. Perfeito. Em cinco minutos damos com a casa cor escarlate. As grades nas janelas não a tornam acolhedora. Esse papel cabe às árvores que protegem do sol abrasador todo o passeio da longa Via Tiburtina. Encontramos na loja de motorizadas quem nos ajude a encontrar o Marco, o tal. Afinal existe, não é uma sombra. Existe: italiano, galã, simpático. Existe para nos conduzir à “nostra abitazione”, de paredes altas e de cores vivas.
Mas eis que a casa não parece tão nossa. Não o parece até ao momento em que decidimos pôr no armário de um dos três quartos fotografias de todos os que nos são queridos. De momentos que só nós sabemos legendar e que, por isso, tornam o lugar, há instantes desconhecido, nosso, só nosso. A porta número 235 da Via Tiburtina pertence-nos e o que nela viveremos ainda nos limitamos a sonhar mas vos garanto que o que sonhamos é grande, muito grande.
À decoração da casa não tardamos a acrescentar o tapete que o senhorio fez questão de nos tirar e colocar à entrada para com ele fugir. Bambus e relva na sala de jantar: check. Falta, pois, preencher o frigorífico e os armários da cozinha. O estômago grita por comida a sério e os corpos, cansados, por um banho.
Seguimos a dica da Filipa, vizinha dos estúdios, colega do Porto, e deixamos o número 235 em direcção à Piazzale Crociate, onde fica o Inn’s, o supermercado que vende bebidas alcoólicas a não mais de três euros e ricotta a 59 cêntimos. Em suma: o supermercado que viria a ser o nosso maior fornecedor de vícios, mimos e demais coisas. O “ragazzo” na caixa não é de grandes sorrisos e, depois de empilhar tudo o que trouxemos no cesto, grita-nos um nada afável “Buste?”. Não percebemos e, por isso, sorrimos e acenamos (“Sorrir e acenar, rapazes, sorrir e acenar”).
Buste afinal quer dizer sacos. Lá viemos nós com vários em cada mão, fascinadas com a Via Tiburtina e a quantidade de oficinas, sem-abrigos, árvores e carros que nela parecem coexistir em paz.
Em casa, temos uma surpresa de boas-vindas: não há água quente, o fogão não funciona, tampouco o frigorífico, e na casa-de-banho não há luz (ou cortina). Não estivessemos nós de Erasmus na più bella città del mondo, o mais certo seria chorarmos, mas nós rimo-nos (mal sabiamos nós quantas vezes o iríamos fazer). Rimo-nos e procuramos uma solução: jantar pão com atum e bolachas com queijo de barrar. Temos quatro meses para saborear as maravilhosas pastas, podemos sobreviver a um jantar de campista! (e a verdade é que sobrevivemos)
Sobrevivemos para viver o inimaginável, o incrível, o inesperado. Sobrevivemos para contar as mil e uma peripécias. Mas isso, isso são outras histórias. Para a próxima, quem sabe, sai um cheirinho delas.
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