Sam, Armação de Pêra e um regresso prazenteiro à Banda Desenhada

*Diário de Bordo, 26 de Janeiro de 1771
Sam sabe a Mar…

Sam nasceu, como as pérolas, do útero de uma ostra gigante, no fundo do mar.

Dizem que também nesse dia, cantaram as nove Musas, pela beleza da sua criação…

Era um menino lindo, filho do Sol e da Areia fértil do mar, gerado em dia de Solstício de Verão, durante a maré vaza, em que o regaço do fundo e os raios de luz quente se tocaram, intensamente.

O seu berço foi por breves momentos o oceano, onde as sereias e as ondas o embalaram até à mais bela das baías da costa do Al Garbe. Armação de Pêra.

Desceu pelos próprios pés da crista de uma onda, trajado como um marinheiro, com uma pequena bagagem contendo um parco farnel de frutos do mar, um búzio que se acredita encantado, um caderno de folhas grossas de aguarela e uma mensagem fechada numa garrafa, a abrir apenas por altura da sua maioridade.

Recolhi-o eu… Ainda hoje agradeço a Deus esta bênção.

O meu nome é Fernando mas tratam-me por Mestre Marujo.

Sou já um velho lobo destas águas mediterrânicas e este dia a que me reporto, 1 de Novembro do ano de Nosso Senhor de 1755, dia de terríveis acontecimentos, foi estranhamente o dia da benesse.

Foi ainda no tenso rescaldo deste dia carregado, em que todos os meus ossos se condoíam, que contemplei a chegada em mar bruto, deste pequeno milagre.

Já havia sonhado com isto.

No sonho, um pequeno Príncipe chegava por entre a rebentação e entregava-me, nestas mãos calejadas da faina, uma mensagem simples, linda, e que tristemente não recordo, não fosse já na altura, a minha memória, uma densa bruma onde alegrias e tristezas se confundiam e misturavam.

- Faz-me uma Casa… tenho soninho… quero ir para a minha cama…

Assim me fiz, de uma hora para a outra, Pai… na madura idade dos 60.

Durei desde então mais vinte anos para ver este rapaz fazer-se homem, para firmar as paredes e legado de uma Casa, cumprindo em rigor o destino que aquele dia me deixou em forma de incumbência.

À Casa, Sam chamou-lhe Palhota, pois de palha e de barro fizemos as primeiras divisões e alicerces, e no dia em que o meu Moço celebrou duas décadas, retirei o lacre da garrafa e entreguei a Sam, desvelando a sua preciosa vocação, um pergaminho com o seguinte conteúdo:

“ Corre, canta, nada, ri, chora, ama. Cuida do Mar e das Suas Criaturas Sam.

Devolve-lhes o equilíbrio mágico que liga os Homens ao Oceano e à Vida que este contêm.

Nasceste para cuidar de um vínculo ancestral, tão antigo como a primeira centelha de vida, e para proteger esta baía, para que seja sempre fértil, plena de diversidade, para que esta magia nunca morra.

Sê justo, defende a liberdade, luta com responsabilidade e ama com generosidade.

Tudo o resto Sam, como em todos os Homens, é um destino em aberto. Só tu o poderás descobrir e escolher.

Ouve o teu coração… lá encontrarás muitas das respostas que procuras… “

Depois deste dia nada voltaria a ser igual. Logo em Outubro, no Verão de S. Martinho, deu à costa o derradeiro catalisador de tudo o que aí viria.

Cristal, linda sereia… a energia feminina encarnada em toda a sua força e vitalidade.

Ela seria a outra face da sua vocação.

Juntos, e apenas nessa condição, seria possível concretizar a missão que lhes estava confiada.

E o resto… o resto são histórias, um sem número de aventuras, em mar revolto ou terra firme, sempre acompanhados pelos fiéis mascotes e companheiros –Pirata, o cão, e Biá, a golfinho…

“Ande já Moços e Moças. Vá lá já dar um mergulhe na água… não há Praia mais bonita que esta depe!”

*Retirado do Diário de Fernando Marujo, encontrado no nicho de uma furna, para os lados de N. Sra. Da Rocha em Julho de 2010