“Amanhã entro às 11h”, repete com ar trocista. E respondo-lhe, irónica: “ se calhar ainda achas que é cedo?”. Ele mantém o mesmo tom e remata: “Claro!.” Mantém o semblante leve, o ar despreocupado e continua as suas tarefas habituais no jardim: pendura os fatos um a um e lava-os de forma paciente. Mais um dia. De tronco nu e envergando apenas uns coloridos calções Rip Curl, passeia confiante com os seus chinelos Reef, exibindo a pele bronzeada, os músculos delineados, os cabelos louros. Estamos numa terça-feira de Março. Mas podia ser um outro dia qualquer.
Horários flexíveis e definidos à medida, sem stress e sem pressão, “escritórios “ cheios de água salgada, peles morenas, corpos saudáveis. Despertador natural. A opção de ficar ou de ir. Ele não sabe como é a vida das pessoas que apelida como “normais”onde há regras, horas, tempos para tudo. Nunca soube. Mas tem a certeza de que não quer experimentar. Como o entendo. O meu irmão é este oásis temporal nas nossas vidas. Nos dias longos de Verão ganho o dia quando consigo chegar à praia às 19h e ele recebe-me com um sorriso e uma sangria fresca com vista para o mar.
Esqueço tudo: 22 dias de férias, computadores, ar condicionado, luz artifical, espaços fechados, prazos, reuniões. stress.E, entro , por momentos, neste mundo, nesta outra galáxia onde a vida é uma festa e não há hora para acabar.
A paixão pelo surf,ainda com 13 anos, leva-o ainda hoje, passados mais de 20, a percorrer o sonho e a realizá-lo em cada dia passado na praia, na remada para vencer a rebentação, em cada onda dominada. Com sol ou chuva torrencial, lá ia ele, de transportes ou à boleia, de madrugada ou já ao fim da tarde, prancha debaixo do braço. Mas ao contrário do famoso claim de Pessoa …este estilo de vida não se estranha…entranha-se à primeira e não larga. Foi assim com o meu irmão. Apesar da adolescência já distante, ele apregoa vezes sem fim ”estou bem é com os putos. Eles mantém-me sempre jovem”.Na verdade são dos poucos que acompanham a adrenalina constante em que vive. “Acho que o mundo está atrasado umas 3 vodkas”, diz.“Pudera…eu até acho que ao pé de ti…estão atrasados a garrafa inteira!”
A formação em psicologia reforçou a sua capacidade natural de comunicar com todos, sem excepção. O grau de Mestre depois de uma tese aplicada ao surf deu o carimbo oficial de uma vida para sempre ligada à modalidade. Desde as aulas na universidade à organização de campeonatos passando pela liderança de associações ou surf teams, participação em revistas...tudo são rios a desaguar no mar.
Alguma insolência na atitude ou um ego maior do que muitas ondas de Pipeline são perdoados pelo carisma, a personalidade cativante, a generosidade. “Estamos juntos”, é a sua palavra de ordem em todos os convívios familiares. Numa competição, numa aula de surf , à hora de jantar, numa festa, em qualquer desafio, a partilha é fundamental.
Adoro quando conta as peripécias das suas inúmeras viagens. O seu sentido de observação é apurado e a forma como descreve as personagens com que se cruza, o insólito de cada lugar ou as ondas perfeitas são horas de prazer em tertúlia familiar. Desde a Costa Rica à Indonésia, passando pelas Maldivas ou as ilhas do Índico ou das Caraíbas. São tantas as paragens mais ou menos longínquas, cheias de histórias, momentos e sensações.
A grande viagem inaugural foi ao Hawai onde esteve cerca de 2 meses. Foi a primeira vez que passou longe o Natal. No dia 24 Dez, a família reuniu-se toda no sofá da sala para a emissão especial que o “Portugal Radical” ia transmitir em directo do Hawai.
Foi surreal. Era Natal e o meu irmão estava naquela TV mais uns quantos malucos iguais a ele, todos de calções e chinelos, rodeados de pranchas…uma vegetação luxuriante, frutas de todas as cores. Quase que sentia os 30 graus com 80% de humidade…apesar da minha camisola de gola alta. Estavam todos numa casa grande de madeira mesmo em frente ao mar. Conseguia ver a espuma das ondas que quebravam ao longe. Eles riam e falavam alto para a câmara, numa enorme algazarra disparando simultaneamente votos de Boas Festas para as famílias. A felicidade estava nas risadas cúmplices de quem sabe estar no Paraíso.Recordo a minha avó que fixava aquele rectângulo, a única janela para o mundo lá fora. Mas, desta vez, qual mundo lá fora?! Era o seu neto que estava ali!E logo no dia da consoada! “ O que será que ele vai jantar hoje?”, perguntava. Lá não deve haver bacalhau…”.
Se alguém ainda tinha alguma dúvida, naquele Natal todos soubemos que a sua vida iria rolar sempre como as ondas do mar: imprevisível, única, livre. E tal como a maré, rejuvenescendo-se a cada dia.
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E EU TAMBÉM.....
nunca se sabe quem tem talentos escondidos...... e, se calhar...há um surfista dentro de ti primo !!!...ih!ih!
Estou convencido! Tambem vou querer uma aula! :-)
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