Antes de mais, esclareça-se que a Austrália não é bem um país. É um continente, como a Ásia ou a África, com quase o dobro da área da Europa. Dizer “vou à Austrália” é como se disséssemos “vou à África” ou “vou à Ásia”. Mas a verdade é que não dizemos isso. Dizemos antes “vou à Tailândia”, ou “ao Japão” ou o que seja. Só nos damos conta da ligeireza da nossa ideia quando lá chegamos, depois de 27 horas seguidas de viagem (recomenda-se a Emirates que faz os possíveis para mitigar a expedição), e nos apercebemos da enormidade do sítio e das distâncias. Dá-se a coincidência de a plataforma continental ser ocupado por um só país, mas isso é irrelevante para o caso. E também nem é bem um país. É mais uma filial bem humorada e com um clima francamente melhorzinho que o do Reino Unido e daquela outra ex-colónia Britânica que proclamou a independência para se baldar às taxas aduaneiras sobre o chá. À semelhança do que se passou na América, também aqui e a pretexto de os nativos não serem cristãos, se declarou que o novo mundo era terra de ninguém (“terra nulis”) e passível de ocupação a troco de missangas, vírus e cobertores envenenados. Até à solução final e à ocupação total.
Malgrado a sua história e o seu passado de saneamento étnico, que já está bem lá atrás e mais ou menos bem resolvido, com a devolução das terras ancestrais aos nativos e com o reconhecimento dos seus direitos e do seu modo de vida tradicionais, a Austrália é, reconheça-se, um caso bem sucedido, de squatting e de transposição da civilização ocidental, tal como a conhecemos, para o hemisfério sul. A Argentina e o Chile também são assim. O Brasil e a África do Sul têm potencial para aspirar a vir um dia a ser assim. Mas não há muitos mais. A Nova Zelândia é um parque natural para autocaravanas e filmagens de sagas míticas. O resto são praias e resorts turísticos, bons para passar férias, com tudo o que imaginamos a isso associado. A Austrália não é só isso. É ainda um sítio ideal para viver, trabalhar e estar. Espaços amplos. Sensação de liberdade. Todas as paisagens e climas à face da terra E outras que não há em mais lado nenhum. Flora e fauna únicas. Os animais mais perigosos e venenosos do mundo. Que também não estão propriamente ali à nossa espera assim que chegamos ao aeroporto ou ao hotel. Eles andam por lá, mas é preciso andar muito e procurar bem para encontrarmos um jelly fish, uma sting ray, um white shark, um crocodilo de água salgada, uma áspide ou um aracnídeo letal.
Melbourne podia ser uma cidade europeia. E Sydney podia ser Nova Iorque.De entre as 10 melhores cidades do mundo para se viver, 5 são australianas:Perth, Melbourne, Sydney, Adelaide e Brisbane (as demais são Vancouver, Toronto, Calgary, Viena e Helsínquia). A qualidade de vida é directamente proporcional ao seu custo. Não se estanha por isso que seja um destino migratório de eleição. É patente a boa integração das comunidades estrangeiras. A grega por exemplo, é a mais numerosa fora da Grécia. A asiática por vezes parece paritária à ocidental. O estilo local é quase sempre casual, smart, laid back, no worries. O bom acolhimento e a hospitalidade é a regra. E nem é por interesse porque a única gratificação que se espera em troca é uma boa conversa e um sorriso. Toda a gente fala com toda a gente. Toda a gente veio de qualquer outro lado. Toda a gente tem família em qualquer outro lado. Impera a ordem, a eficiência, a disciplina e as medidas de segurança (não se pode ingerir ou transportar à vista bebidas alcoólicas na via pública; é obrigatório o uso de cintos de segurança para todos os passageiros de quaisquer veículos e ninguém atravessa a rua fora das passadeiras ou sem que o semáforo para os peões o autorize e a Polícia autua mesmo a sério qualquer incumpridor) a que, com tempo, qualquer bom tuga adoraria adaptar-se.
Em Melbourne recomenda-se o Novotel Melbourne On Collins, que é central e confortável, com bom pequeno almoço e free wi-fi na recepção e bar; os passeios free of charge no “City Circle Tram” que circunda o city center; as pequenas ruelas nas traseiras das grandes avenidas, cheias de petit cafés e bares; a promenade nocturna e o jantar à beira-rio em Southbank; os bifes suculentos, inclusive de kangaroo, o champagne australiano, que tem uma óptima relação preço/qualidade; as vistas panorâmicas da torre Eureka e da roda gigante (igual ao London eye), o Melbourne Museum, e a deslocação a Philip Island para ver o espectáculo único da Penguin Parade, na preciosa companhia do personal guide, Ben Barry, da Wild Escapes.
Em Sydney, que é certamente uma das cidades mais prodigiosas do Universo, recomenda-se, por entre a imensa oferta hoteleira, o Grace Hotel, no coração do financial city centre, um notável edifício em estilo art-deco, situado a meio caminho entre o Darling Harbour e o Circular Quay (adjacente à Ópera), que são as principais promenades do centro; o passeio nos 2 percursos centrais dos autocarros hop on hop off, com paragens obrigatórias pelo menos no edifício da Ópera e no bairro “The Rocks”; o passeio às Blue Mountains e ao Featherdale Wildlife Park, para ver e pegar nos kangaroos, koalas, wombats e diabos da tasmânia (este último fica no entanto ao vosso critério, conta e risco); a visita ao night market de Chinatown (com jantar na 9Noodle House, no n.º 17-19 Goulburn St, Haymarket, que se destaca de entre a farta oferta de restaurantes orientais) e ao Paddy’s Market para as compras mais em conta da cidade (as mercadorias são quase todas made in china mas há produtos de qualidade muito aceitável); Relativamente a Uluru / Ayers Rock, ficamos com mixed feelings. Se não tivéssemos feito a visita, certamente que o lamentariamos mas tendo levado quase 4 horas para chegar (e outras tantas para voltar) na vã esperança de qualquer revelação ou experiência mística acerca do dream time nativo ou do sentido cósmico da vida, para acabar a testemunhar as variações de alaranjado do calhau, no pôr e no nascer do sol, é impossível evitar uma esmagadora sensação de desolação e isolamento. A verdadeira emoção consiste, isso sim, na visão da aproximação do monólito na distância, seja de carro seja de avião.
Tendo dito isto, o jantar no deserto à luz do imaculado firmamento do sul, com bifes de kangaroo e champagne à discrição, exibição de danças tribais e de didgeridoo e dissertação astronómica com direito a visionamento estelar por telescópio, é notável e único. As florestas tropicais e a barreira de corais de Queensland, no nordeste australiano, são das mais puras paisagens naturais passíveis de ser contempladas e experimentadas. As povoações parecem as do faroeste americano, com horários de abertura até às 15.30h, com aborígenes indigentes calcorreando as ruas, rednecks conduzindo carrinhas de caixa aberta em tronco nu. O resort Silky Oaks, perto de Mossman e de Port está muito bem enquadrado. O acolhimento quer dos cómodos bungalows quer do agradável staff é notável e recomenda-se. Nem que seja por um só dia. A nível de hotéis nas árvores, está lá em cima (literalmente), ao nível do espantoso resort Ariau perto de Manaus, o qual, mesmo não sendo tão moderno ou confortável, é uma pérola de civilização e de ar condicionado em plena selva amazónica. Cairns não chega sequer a ter interesse, mas já Port Douglas é uma simpática pequena vila turística passível de ser disfrutada ao menos por um par de dias. Não mais. O passeio de barco (duas horas para ir, duas horas para mergulho e almoço, mais duas horas para voltar), por muita simpatia e atenção que se receba dos nossos anfitriões que nos levam e trazem com toda a segurança e comprimidos e sacos para o enjoo, não se recomenda assim tão fortemente, a não ser com céu azul e mar calmo. Muito melhor é ir de helicóptero até ao limite da barreira de corais e voltar de catamarã. A visão aérea de que se goza durante 20 minutos, durante os quais pulamos que nem uma libelinha, sobre praias, rios, floresta cerrada e finalmente sobre os vários tons de azul do mar, de língua de areia em língua de areia, é de cortar a respiração e serve para carregar as baterias de boas recordações até uma próxima viagem. Ainda parece que foi ontem… Diz-se que o espaço é a última fronteira, e até pode ser. Mas a fronteira antes dessa e descontando a Antártida, que é só para pinguins, cientistas e outras aves raras, é a Austrália. Over and out.
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