O briefing durou meia hora. Tudo muito bem explicadinho. Em língua inglesa. Com imagens e mensagens marcantes. Ninguém com dúvidas. Todos sabiam dos riscos. Um pé em falso e seria o fim. Literalmente. Saímos com a plena consciência do que podíamos ou não fazer.

Em plena noite, o grupo de 12 desconhecidos subiu para a pick-up. Estamos em San Juan del Sur. Na costa pacífica da Nicarágua. Ia ser viagem longa. O caminho super acidentado. Irregular. Necessário ir bem agarrado ao gradeamento externo do veículo de todo-o-terreno. Um permanente sobe e desce. A lua exibe-se cheia. E o céu está mais belo do que nunca.

Durante a interminável hora de caminho, aragem refresca a mente. Calmamente, prepara-nos para o que aí vem. Notamos que as árvores fazem vénias à nossa passagem. As suas copas frondosas indicam-nos o caminho.

Um belo jogo de sombras. Sucessivos, aliás. Poucos tons, mas fantásticos. A lua vai-nos acompanhando. A sua luz entrecortada pela folhagem proporcionando-nos inesperada claridade.

Subitamente, um encontro religioso. A altas horas da noite. Na berma do trilho. Estranho. Mais invulgar a indumentaria das mulheres. Trajando branco. E véu na cabeça. Soa a reunião de seita religiosa. Olhares cruzam-se. Sorrisos não.

Finalmente, chegamos ao destino. Abandonar o veículo. Esticar as pernas. Rever os principais cuidados. Lanterna na mão. Avançar.

Os primeiros minutos nada. A ânsia era muita, mas os resultados nulos. Sem stress. Insistimos. Avançamos mais uns metros até que, finalmente, o primeiro exemplar do milagre.

Minutos antes, tinha partido a casca do ovo. Junto com as irmãzinhas, esgravatou na areia até ver pela primeira vez a noite. Que está fantástica. Inúmeras estrelas dão-lhes as boas vindas. O luar parece indicar-lhes o caminho. Mas é o chamamento do mar que traça a sua rota. Como que teleguiadas, pequenas tartarugas de uns cinco centímetros em lenta, penosa e cansativa ‘correria’ até ao mar.

A ideia é chegar. Rápida ou lentamente, mas chegar. Não é fácil. Sobram os perigos. É por isso que em cada 1.000 tartarugas, apenas uma chega à idade adulta.

Algumas não chegam a sair vivas do ninho. Outras morrem na praia. Exaustas. Há as que sucumbem nos primeiros minutos na água. Há os predadores terrestres e marinhos.

Devidamente “autorizados”, ajudamos umas quantas a chegar ao ansiado destino. Foram duas horas de deleite a caminhar por praia paradisíaca com um poderoso luar a iluminar um inesquecível encontro com as fascinantes pequenas criaturas. Recém-nascidas.

Já todos caminhávamos para o regresso quando o Carlos me chama. A sua voz exalta entusiasmo. Chego até à sua descoberta. Damos excitados sinais de luzes. O resto do grupo junta-se num ápice ao nosso espanto: um ninho com largas dezenas de tartaruguinhas acabadas de eclodir e na corrida mais louca do mundo. Pela sobrevivência.

Em roda, sentados na areia a contemplar o fenómeno natural. Em silêncio. Absortos. Imagens dispensam palavras. Não sairão tão cedo da mente. Raras vezes a natureza nos surpreende assim.

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Comentário de Filipa Studer em 6 Fevereiro 2012 às 11:36

É verdade Ana! lol

E é tão verdade Rui!

Comentário de Marina Soares em 25 Janeiro 2012 às 10:28

Tão bonito!

Comentário de www.bornfreee.com em 23 Janeiro 2012 às 14:04

Quem, um dia, tiver a oportunidade de assistir a um fenómeno destes, não a deve desperdiçar. Magia. Pura.

Comentário de Ana Pinheiro em 23 Janeiro 2012 às 13:20

Que história tão gira, Filipa. E assim te tornaste madrinha de tartarugas! ;)

Comentário de Filipa Studer em 23 Janeiro 2012 às 12:39

Olá Rui,

Sei bem o que é esse sentimento.

Há uns anos assisti a uma primeira etapa desta história, à desova de uma tartaruga na paradisíaca praia das conchas em São Tomé.

Acho que foi uma das sensações mais mágicas que tive. Era também de noite e a praia estava iluminada pelo luar. De repente vi um barco com caçadores que procuravam uma tartaruga. Quando me viram na praia, afastaram-se  em direcção a uma outra praia e foi quando uma tartaruga enorme apareceu, caminhou pela praia até à areia mais fofa e começou a movimentar e movimentar a terra como que se estivesse a nadar na areia. Cavou uma grande cova e no centro colocou imensos ovos que depois tapou.

Só tive tempo de tentar apagar o rasto que deixou na areia para que os caçadores não percebessem e no final ainda lhe consegui tocar. Guardei uma imagem mas na altura as máquinas não eram digitais ... e até hoje recordo o toque e a expressão do seu olhar.

Obrigada pela fantástica partilha.

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