VIAGENS (lá fora): Carcassonne e os seus 5 filhos

Um certo Verão descobri que havia uma “maluquinha” dos Cátaros a viver debaixo do meu tecto. Não é que tenha alguma coisa contra “maluquinhos” por seitas extravagantes. Há malucos para tudo e parece-me que os trekkies, oswiccans e até ossportinguistas, todos têm direito à vida... Eu próprio sou um pouco “maluquinho” dos Templários, devo confessar. Agora os Cátaros? Primeiro de tudo, quem diabo sabe sequer o que são os Cátaros?

Só ela, parecia.

E antes que me começasse a recitar excertos deste livro e a tentar transformar-me em parfait, percebi que o importante a reter desta história era o seguinte: Os Cátaros eram um grupo religioso gnóstico, dissidente da Igreja Católica, que habitava no Languedoc (sul de França) no séc XIII. Aparecem sempre associados a um grande segredo nunca descoberto, a rituais pouco ortodoxos, às lendas do Graal e ao mito da descendência de Cristo. Foram exterminados pela Igreja Católica durante a Cruzada Albigense e isto teve como consequência principal o motivo deste artigo: é que os Cátaros, acossados pelos cruzados, escolheram os locais mais improváveis e inóspitos para erigir as suas fortificações. A mim, isto abriu-me o apetite.

Foi muito fácil alinhar com ela numa viagem de reconhecimento ao Pays Cathare:

CARCASSONNE – A Eurodisney dos medievalistas

Pensem na Bela Adormecida, pensem no Ivanhoe, pensem medieval, pensem castelo de lego. Carcassonne é o paraíso de todos aqueles que, como eu, às vezes acham que nasceram na época errada. Uma cidade com as fortificações intactas, tão bem conservada que acaba por ter um cheirinho a Eurodisney, tão cheia de torres e pontes levadiças como de lojas de souvenirs. Podemos tirar uma foto ao lado de um falcão sonolento pousado na luva de couro de uma princesa ou comprar uma imitação da Excalibur e esperar que apareça o Mickey em qualquer lado.

Eu perdi-me, primeiro pelas ruas e ruelas e depois pelo almoço numa agradável praça à sombra (Fromagge de chévre au gratinseguido de cannard confité) e pelo lanche.

OS FILHOS DE CARCASSONNE

Os castelos a que se convencionou chamar “cátaros” não são o artigo original. Estes religiosos tinham, quando muito, uma espécie de castros fortificados em locais de difícil acesso, mas isso não impede o turismo francês de aproveitar o glamour cátaro, se é que isso existe, para chamar Castelos Cátaros a todas as construções militares erigidas em séculos posteriores nos locais escolhidos pelos ditos. Há 5 castelos emblemáticos: são os filhos de carcassonne: Aguilar, Queribus, Peyrepertuse, Puilaurens e Termes.

Nós escolhemos os três que nos pareceram mais interessantes e em caminho.

CASTELO DE AGUILAR

Para quem vem da costa, pela a região de Corbiéres, o primeiro castelo que nos salta ao caminho é Aguilar. Deserto, em ruínas, no meio de vinhedos a perder de vista, mas o menos interessante do rol, apesar do seu belo torreão redondo. O cavaleiro que há em mim ensaia umas espadeiradas, tenta avistar inimigos e depois segue viagem, que há muita pedra ainda para ver.

CASTELO DE QUÉRIBUS

É considerado o ultimo bastião dos cátaros e, quanto a mim, um dos mais interessantes. Serviu de refúgio após a queda de Montségur (ver mais abaixo) e hoje, o seu perfil em degraus, é impressionante.

Enquanto subia, era impossível ficar alheio à enorme ventania que se fazia sentir, quanto mais não fosse porque tornava perigosa a subida, e obrigava a redobrada atenção. Senti falta de uma capa atrás de mim, a enfunar ao vento, e já agora, um cavalo também tinha sido agradável. O mal dos castelos é que estão sempre no fim de uma subida.

Este não desilude: é impossível não admirar o trabalho que terá sido erguer aquelas muralhas. O Castelo parece nunca acabar. É enorme. É belo. As muralhas repousam em toda a montanha à volta, e para onde quer que se olhe, é sempre possível ver na linha do horizonte, os outros castelos irmãos, em posições estratégicas. Dava sempre jeito numa época sem telemóveis.

CASTELO DE PEYREPERTUSE

Vemos ao longe uns rochedos de aspecto impressionante e, de repente, mesmo no topo, apercebemo-nos das ruínas de um castelo.

Camuflagem perfeita. Dizer que estamos quase em cima dele quando finalmente o vemos é força de expressão. Ainda é preciso subir, subir, subir... e é sempre o castelo que está acima de nós. Mas vale a pena.

A principal característica de Peyrepertuse (digam lá o nome três vezes depressa), reside no facto de conter dentro outros castelos, resultado dos vários séculos em que os residentes foram acrescentando alas e muralhas, sendo o “torreão de San-Jordy”, o expoente máximo dessas alterações. Tem o seu próprio sistema defensivo, o que permitia manter as defesas se o resto do castelo caísse nas mãos do inimigo. Os degraus do torreão são uma armadilha escorregadia, não façam como a turista americana que vi a deslizar por ali abaixo montada no próprio traseiro!

Uma mais do que acertada escolha dos cátaros, que não contentes com o difícil acesso para uma eventual conquista, lhe acrescentaram uma passagem secreta, uma poterna atrás de uma enorme rocha, que apesar de ainda existir, está, com muita pena minha, actualmente vedada ao público. Que é que pensavam? Que eu me ia enfiar pelo túnel a dentro? Tenham juízo, que eu... também não.

CASTELO DE MONTSÉGUR

Montségur não é um dos filhos de Carcassonne. Está situado fora da linha estratégica dos castelos anteriores, com vista para os Pirinéus. Não ficou bem na fotografia e não é uma construção muito interessante por si só, mas incluo-o neste roteiro porque é, de facto, imperdível para quem se interessa pela história dos Cátaros.

Quem vê da estrada a montanha solitária onde estão hoje as ruínas de Montségur não pode imaginar a história tenebrosa que as suas pedras contam. Mesmo assim, o lugar tem um misticismo muito próprio e uma beleza inegável.

De todos os castelos, este tem a pior história e a pior subida: falaram-nos em cerca de 50 minutos, mas devíamos estar em forma, depois de tanto castelo, pois levámos pouco menos de meia-hora. Se o castelo pouco mais é que um recinto muralhado, sem grande interesse, a vista do antigo povoado cátaro, fora das muralhas, é indescritível. A perder de vista, de todos os lados. Foi aqui que finalmente fez sentido o título de um dos livros que levávamos para nos guiar pelo mundo dos Castelos Cátaros: Cidadelas da Vertigem.

Nós não tivemos vertigens, nem achámos o Graal, mas julgo que o tesouro, esse trouxemo-lo todo, sob a forma de umas férias muito bem passadas.

 

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Comentário de Joana Schmidt Costa em 1 Julho 2011 às 17:54
Este se calhar completava o top 3. Divinal :)
Comentário de João Neves em 1 Julho 2011 às 10:44

Com tantos outros artigos, já não relia este à muito tempo. É realmente muito bom.

As descrições são do melhor.

Comentário de Helena Guerreiro em 30 Junho 2011 às 17:18
É mesmo curiosa esta opção de férias. E linda, mesmo linda! :) Obrigado.
Comentário de Ricardo Rodrigues em 30 Junho 2011 às 15:02
este também ia para o wall of fame. Aquele castelo com a linha na montanha é qualquer coisa...
Comentário de Maria Inês Simões em 30 Junho 2011 às 14:49
Parece saido de um conto de fadas! Muito giro.
Comentário de Sandra Gomes em 30 Junho 2011 às 14:42
Estes cátaros eram doidos! Grandes castelos :)
Comentário de Filipe Mendes em 30 Junho 2011 às 11:59

É isso e as séries :) Existe muito cenário para o game of thrones :)

Mesmo mto bom.

Comentário de Simone Matos em 30 Junho 2011 às 11:46
Por isso aqueles livros de batalhas e cavaleiros sempre na mão. ;)

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