Vivemos num mundo que exclui o silêncio. A nossa existência está mergulhada numa bolha de ruído permanente ao ponto de, por vezes, o silêncio se tornar incómodo ou mesmo insuportável, criando a necessidade de o preencher com barulho, sons, palavras. No acto de comunicar está implícito o uso da palavra, do som, da imagem, etc. Raramente se pensa no silêncio, nas suas nuances. Se uma imagem pode valer mil ou mais palavras, o ficar em silêncio poderá deixar muito implícito.

A ideia do “não comunicar”, embora possa parecer uma contradição, faz parte da comunicação, já que a “não escolha” é em si uma escolha, portanto, um acto comunicativo. Sobre o silêncio encontramos definições tais como um estado de quem se cala, ausência de ruído, sossego, calma, sigilo, segredo. Pouco se fala do silêncio, pouco se escreve sobre ele, consequentemente, pouco se sabe sobre ele. O silêncio pode ser agressivo, calmo, acolhedor, sufocante, provocativo, entre muitos outros. A experiência de ficar em silêncio com uma pessoa ou em grupo permite que se conheça a cada momento, individualmente ou não, inúmeros tipos de silêncio. E em cada um desses momentos, se ouve ou se sente algo.
Vivemos hoje no meio de um ruído colossal, intensificado pela técnica e muitas vezes destituído de sentido. Mais do que discursos, produzem-se ruídos. Multiplicam-se as reuniões, as publicações, os sites, onde cada qual parece ter a última palavra a dizer ao mundo. E a comunicação, por vezes, transforma-se em desespero, querer dizer algo e dizer absolutamente nada.
A palavra, seja qual for a forma de expressão, precisa, para operar com eficácia, nascer do silêncio e do saber ouvir. O silêncio é exigência não apenas de recolhimento e de introspecção, de contacto com a voz interior, mas também de certo distanciamento do mundo exterior, não para dele fugir, mas para assumi-lo de modo mais consciente e poder chegar a uma comunicação mais autêntica. Assim, o saber ouvir certamente não deve ser entendido como inércia, passividade ou renúncia à palavra, mas como expectativa e abertura ao outro, para que o nosso falar não se transforme em monólogo ou, de alguma forma, em violência, demagogia.
Saber ouvir significa reconhecer que a voz do outro não é um ruído entre muitos, mas representa a revelação de um eu, de uma pessoa que nos tem algo para dizer e nos pode enriquecer, porque nos comunica alguma coisa absolutamente diversa de nós. Um ponto que nos confunde e dificulta a nossa compreensão das diferenças culturais é o facto de, na nossa própria cultura, haver momentos em que as pessoas tanto podem ser distantes, como insistentes, na sua forma de utilizar o espaço. É importante deixar espaço para a outra pessoa se mostrar, fazer uma troca onde ambos se modificam. No mundo actual, as pessoas tornaram-se mais intolerantes perante os silêncios individuais. Vivemos num ambiente que é extremamente extrovertido: tudo se fala, tudo se diz e não se respeitam os momentos de silêncio, que são fundamentais para o desenvolvimento da intimidade.
Sem silêncio privamo-nos da possibilidade de nos ouvirmos a nós mesmos, perdemos a capacidade de desenvolver a contemplação e a meditação. De facto, uma das características próprias do ser humano é a capacidade de entrar na sua própria intimidade. Uma pessoa que tem um bom mundo interior age a partir de si mesmo, com menor perigo de se deixar levar por qualquer disparate.
Na sociedade ocidental, o silêncio tornou-se sinónimo de solidão, e a solidão num dos maiores medos do homem moderno. Mas é em silêncio que se ouve música, se contempla a arte, se medita ou se pede a Deus. O silêncio é a matriz geradora do pensamento, da linguagem não expressa e, portanto mais profunda. As expressões artísticas silenciosas e multicores sempre despertam sentimentos, os mais variados e, muitas vezes, nos transportam para dimensões cósmicas. A contemplação de uma obra de arte, além de produzir emoção, proporciona momentos de prazer, cultura e lazer. Uma comunicação singular processa-se na interacção silenciosa do observador com o criador, porque a arte não tem uma única leitura, não tem fronteiras, é universal.

Parar ao contemplar uma obra de arte é tentar traduzir a linguagem do silêncio que a envolve, pois, o silêncio é a linguagem da sabedoria. Saber ver é sentir com o coração. No seu expressar eloquente, o silêncio revela o conhecimento oculto, transcendental. Muitas vezes, nem mil palavras são capazes de transmitir o que a linguagem da ressonância silenciosa revela. Quando nos permitimos silenciar, verdades multifacetadas e profundas tornam-se mais presentes.

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