Arranjei a mochila à pressa… Uma caixa de bolos húngaros, o manual da máquina fotográfica, um bloco de notas e um lápis. Era tudo o que precisava… Isso, o tripé e a máquina.
Saí de casa. Depois de uma manhã cinzenta e de chuva intensa o sol apareceu e o céu azul, rasgado pelas nuvens, fez-me apostar que não choveria até ao anoitecer. Foram os motivos que me levaram a entrar na A5 e, até chegar a Cascais e ver o Sol ainda alto, atrás das direcções para o Cabo da Roca, decidi seguir até Azóia, uma vila pacata na encosta da Serra de Sinta, toda ela com vista para o mar. Nunca tinha ido ao Cabo da Roca, mas também não foi desta vez, “morri na praia”, pois na última recta para o Cabo vi uma estrada bem reles, torta e esburacada, com uma plaqueta que avisava: “Ursa”. Tentei enfiar o carro no caminho, mas pareceu-me tão estreito que receei não poder fazer inversão de marcha, havia um descampado mesmo ao lado, onde resolvi estacionar. Foi a melhor coisa que podia ter feito.
Já tinha ouvido falar na Praia da Ursa, mas sozinho, talvez não fosse a melhor maneira de me aventurar pelo caminho que anunciava a tal “Ursa”. No entanto, foi isso mesmo que fiz, com a máquina ao peito e o tripé à tiracolo, lá fui. Ia caminhando ao mesmo tempo que me deixava deslumbrar pela coisa mais insignificante, a luz do Sol baixo, dava um tom quente a tudo o que por ele se deixava tocar, contrastando com a pureza do azul frio do céu e do mar.
No meio das ervas verdes e húmidas, os tons das flores amarelas e o vermelho das pontas do chorão, planta usualmente vista nas dunas e na orla costeira, alimentavam a gratidão pela decisão que tinha tomado prestes a chegar ao Cabo da Roca. Tudo o que via era extremamente bonito, as encostas verdes até ao azul do mar, ou as cercas feitas de canas, espalhadas pelas colinas para proteger as vinhas e outras culturas dos ventos salgados do Atlântico. Relembrava-me constantemente o nosso país, tão pequeno, tão fascinante, enquanto torcia para que o caminho fosse dar ao mar, ou à tal praia que tinha ouvido falar.
Foi pouco depois que me cruzei com a estrada alagada… a possa parecia demasiado funda, estava com calças de ganga e os meus ténis do dia-a-dia, não me dava jeito ficar encharcado, desisti e voltei para trás… Fiquei desiludido e chateado com o raio da poça. Foi quando pensei em fotografa-la e logo após, achei que a natureza dá-nos oportunidades desafiando-nos, a possa até tinha um reflexo inspirador e estava mesmo ao lado de um aglomerado de canas. Pensei: “Vou tentar.” As canas deram muito jeito, caminhei pela borda agarrado às canas, pois receava cair. A máquina era a minha maior preocupação, não tinha comigo a bolsa impermeável, apenas a câmara e o tripé, nem sequer a mochila com os bolos e o bloco de notas, estava tudo no carro.
Depois de atravessar o charco de água, poucos metros à frente, começava uma descida que mostrava o fim do caminho, era como se fosse um miradouro natural, via-se o mar e duas formações rochosas fantásticas, iluminadas pelo Sol prestes a despedir-se e assentes na areia da praia que acreditava ser a Praia da Ursa.
Agora sei que a rocha em primeiro plano nas fotografias, é a Rocha da Ursa, pois o topo da mesma, quando visto de norte, assemelha-se a uma cabeça de urso. Neste miradouro natural, nada mais havia senão eu, esta vista magnífica e 2 ou 3 trilhos. Foi mais uma aposta, escolher o caminho que me levasse à Ursa… Investi no da minha esquerda e fui descendo metro a metro, contemplando cada forma da natureza e inspirando a brisa do Atlântico. Ia sozinho, mas bem acompanhado pelo Sol, que descia ao meu lado, permitindo-me a luz suficiente para fotografar e esgueirar para fora dos trilhos, roçando os limites da segurança e do conforto, mesmo ali, bem perto dos limites da Europa continental, num dos pontos mais a oeste do continente e perante a vastidão do Atlântico e a ousadia do horizonte, que se impõe como limite a transpor, que nos desafia por nos impossibilitar de ver o Mundo inteiro de um só lugar. Um eterno motivador das viagens.
Foi escurecendo e só depois de o Sol se pôr, me lembrei que não tinha uma lanterna e que a escuridão poderia ser um problema no regresso. A noite ameaçava tornar-se real a um ritmo cada vez mais acelerado e as nuvens impunham-se sobre o céu. Decidi regressar sem chegar ao areal, mas extremamente grato pela meia descida da encosta, assim tenho a certeza que vou voltar. Já depois de inverter o sentido e iniciar a subida, lembrei-me da chuva. A máquina era sempre a minha maior preocupação. Acelerei o ritmo, o meu corpo transpirava, como que a purgar todas as preocupações da semana e o coração pulsava mais forte e em intervalos cada vez menores. Voltei pelo mesmo caminho, atravessei de novo o charco. Por fim, cheguei ao carro, abri a porta, entrei, arrumei a máquina depois de rever algumas fotografias, dei à chave e a ignição disparou, liguei as luzes e ouvi uns estalidos na chapa… Liguei o limpa pára-brisas, tinha começado a chover.
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