Entre o ranger furioso dos metais que se tocam e o estalido das cordas retesadas, ouve-se o suave “chap, chap” das ondas, como línguas de espuma salgada no cais. Os passageiros do cacilheiro dispersam, distraídos e apressados, sem olhar para trás, ignorando que ali ao lado se encontra um dos locais mais carismáticos de Almada.É do Cais do Ginjal, mesmo ao lado de Cacilhas, que se tem a melhor vista da “cidade branca”, essa Lisboa que parece dormir, pousada nas suas colinas. O Tejo, nas palavras de Romeu Correia, “massa de água de tantas e inesperadas cores e rebeldias, habitado por peixes e mistérios sem fim”, ali ao lado, convida a um passeio pela história, como outrora convidou a mergulhos com golfinhos de dorso prateado. Um tempo em que os cacilheiros não eram os únicos barcos que por ali paravam.Até meados do século XX, o Ginjal era um cais cheio de vida, dando emprego a mais de uma centena de pessoas, desafiando a ideia de solidão e ruína que dele fazemos hoje.O casario ribeirinho albergava armazéns de vinho, de carvão, uma fábrica de gelo, oficinas de tanoaria e vários restaurantes e tascos. Foram os armazéns de pescado, que recebiam diariamente peixe e mariscos frescos, que deram a esta zona a fama das “mariscadas”, que ainda se mantém em Cacilhas.

Hoje, os vestígios degradados dessa época de ouro, espalham-se ao longo da marginal: Esqueletos de fábricas assombradas por lendas de monstros, fachadas de uma beleza típica e decadente, azulejos partidos e perdidos, pátios que se entrevêem na penumbra, pontões arruinados, engrenagens ferrugentas… e a beleza do Tejo sempre ali ao lado.

Mas nem só de águas passadas vive este cais. O bulício de outros tempos pode ser recordado para os lados do elevador da Boca-do-Vento, onde o Jardim do Rio e os restaurantes panorâmicos Ponto Final e Atira-te ao rio se têm tornado bastante populares nos últimos anos. Esta área verde com cheiro a rio que já é quase, quase mar, a pedir passeios de fim de tarde e jantares ao pôr no sol na esplanada, é um dos luxos semi-secretos dos almadenses.
Também o Culto Club, já em Cacilhas, um bar de música alternativa (leia-se heavy-metal e derivados), anima as noites do Ginjal, como o fizeram em tempos as tabernas e o “faduncho”.
O tempo nunca volta atrás, mas nós, quando saímos do cacilheiro, podemos fazê-lo. Vale bem a pena.

Adaptação de texto originalmente publicado na revista P'ALMADA por M.S.
Fotos sacadas via net a Vasco Pires e 4ullas (www.panoramio.com) e "Atira-te ao Rio"


Artigos revisto e destacado em Abril 2016

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Comentário de Humberto Ruaz em 15 Junho 2011 às 16:31
Que bonito... Marina. Parabéns
Comentário de Marina Soares em 13 Setembro 2010 às 15:29
A propósito... já reparam onde foi filmado este anúncio de Verão?

http://www.youtube.com/watch?v=OliWB8hsMM0
Comentário de Marina Soares em 30 Julho 2010 às 15:13
Ana, segundo este artigo (http://dn.sapo.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=1461298&...) a coisa está bem encaminhada e lá para 2012 já pode ir ver se a situação melhorou. (Aproveitamos e vamos todos comer o tal peixinho que o Jorge menciona mais abaixo!)
Eu sempre ouvi dizer que uma das dificuldades de recuperação do Ginjal estava na aquisição de propriedades privadas, que penso que é o que a CMA tem estado a fazer nos últimos anos. Já fiquei contente com a forma como começaram por requalificar a zona da Boca do Vento e do Jardim do Rio. Espero que mantenham a mesma filosofia para o Ginjal e que a área não se transforme no equivalente às Docas na Margem Sul.
Comentário de Ana Maria Martins Narciso em 30 Julho 2010 às 13:47
Só um país abandonado não aproveita a maravilhosa paisagem, e quem por lá deambula nada mais vê do que degradação, edificios em ruína.
Eu há ano e meio tive a ciriosidade de descobrir esta parte, e por certo durante muitos anos lá não voltatrei.
O restaurante Ginjal não passa de uma ruina, onde existe uma placa que diz: Perigo de derrocada"
Mas onde está a Camara de Almada?
Comentário de Marina Soares em 26 Julho 2010 às 19:02
Ah... os "Irmãos Catita"! Nunca tive o prazer de os ver ao vivo mas parece-me que combinam lindamente com o local.
Comentário de Jorge Saraiva em 24 Julho 2010 às 11:48
E a mim deu-me saudades de apanhar o barco até Cacilhas com a namorada, comer esse tal peixinho e dpois ir ver os "Irmãos Catita" ao Ginjal e depois ter que vir de táxi porque os barcos já tinham acabado por essa noite, caraças. Obrigado pela recordação Marina
Comentário de Ana Pracaschandra em 23 Julho 2010 às 12:14
Este artigo fez-me despertar o bichinho saudosista para ir visitar o Ginjal, jantar um peixinho em Cacilhas, apanhar o barco, cheirar o rio e sentir as gotas do Tejo a beijarem-me a pele! :) Muito bom Marina!
Comentário de Marina Soares em 22 Julho 2010 às 18:26
Ai, isso era noutros tempos... ;P
Comentário de Ana Pinheiro em 22 Julho 2010 às 12:57
Marina, umas palmadas para ti por fazeres tudo tão bem feitinho! ;)

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